terça-feira, 19 de junho de 2007

Mussorgsky/Ravel - Quadros de uma exposição

Modest Mussorgsky (1839 – 1881) foi em sua época um oficial da guarda militar. A aspereza e a incivilidade de sua música, em seus dias, chegavam a ser consideradas como falta de educação. Porém, foi justamente a obra que revela seu lado mais humano, que mais assegurou longevidade às suas músicas nas salas de concerto. É o ciclo Quadros de uma exposição para piano-solo, em homenagem ao pintor Victor Hartmann, amigo íntimo do compositor, que morreu de ataque do coração aos 39 anos em Moscou. Foi montada uma exposição em São Petersburgo, no começo de 1874, in memorian, para a qual o próprio Mussorgsky – segundo o catálogo – contribuiu com retratos de sua coleção, dos judeus Samuel Goldenberg e Schmuyle. A transposição de dez quadros de Hartmann para música foi conseguida pelo compositor em junho de 1874, em poucas semanas. A música, muito elaborada e inspirada em Liszt, é em muitos trechos, de uma densidade monumental. O elemento que liga o ciclo entre si é a Promenade, uma espécie de auto-retrato do compositor e seus sentimentos e reações ao caminhar entre uma pintura e outra. Isto tudo ouvido através da rica orquestração posteriormente trabalhada por Ravel (1875 – 1937).

A música começa com um cerimonioso solo de trompete e um coral de metais, que prepara a representação do Gnomo, um pequeno brinquedo “caminhando de forma estranha com pernas deformadas”, salientado por Ravel pela mordacidade do xilofone e por estranhos efeitos nas cordas. Após isto, o clima se ameniza pelo som da trompa e das madeiras, preparando desta forma o cenário do canto de um trovador no pátio de um castelo medieval, representado pelo saxofone. Novamente, a Promenade reflete o sentimento do compositor em relação à morte do amigo, mas é interrompido pela próxima pintura, onde se retrata crianças brincando no parque de Tuillieries, em Paris, observados por suas mães. Na próxima pintura, Bydlo, há um incomum solo para Eufônio. Após a próxima Promenade, ele retoma a consciência e se vê diante de peripécias de um passarinho que dança ballet. A seguir, o estereótipo de dois judeus, um rico e outro pobre. Ouve-se então o mercado cheio de mulheres, em Limoges, uma passagem delicadamente virtuosística. A seguir, vê-se o próprio pintor olhando apavorado dentro de uma Roma subterrânea, o que guia à próxima seção, onde Mussorgsky se vê diante dos esqueletos dos mortos. A última pintura, O Grande Portão de Kiev, é baseado no tema da Promenade, e evoca um majestoso portão ornamentado com um sino numa torre.

Program Notes © 2007 by Eduardo Knob

19 de Junho de 2007

Regente: Manfredo Schmidt

Tchaikovsky - Concerto para Piano e orquestra nº1, op.23, em si bemol menor

Quando Piotr Ilyich Tchaikovsky (1840 – 1893), no inverno de 1874, decidiu compor seu primeiro Concerto para Piano, ele pouco havia lidado com música para piano. A respeito deste instrumento, fundamental para o desenvolvimento da música no século XIX, quase não existem anotações de Tchaikovsky, a não ser uma carta em que o compositor descreve a relação entre piano e orquestra – inserida dentro do gênero do concerto – como a “luta de duas forças iguais”.

O Concerto nº1 é bastante marcado por essa concepção energética e vigorosa. Definitivamente, é uma das obras que servem de modelo como música para piano e orquestra, e seu começo é uma das passagens musicais mais iconizadas. Porém, o pianista a quem originalmente foi escrito, Nikolai Rubinstein, de início achou-o muito desagradável, recusando-se a tocar o concerto. Desapontado, Tchaikovsky mudou a dedicatória em favor de outro virtuose muito apreciado por ele, Hans Von Bülow. Este, mais satisfeito, estreou o concerto no outono de 1875, em Boston. Obteve tanto sucesso, que Rubinstein se viu obrigado a voltar atrás, fazendo assim sua estréia européia em Paris, em 1878. Apesar de todas as mudanças no gosto do público, este concerto se mantém no mais alto ponto de popularidade até hoje, o que mostra que não perdeu nada de seu efeito e de sua força de espírito.

As trompas iniciam este concerto com um famoso ataque, e logo após surge o piano com uma sucessão de acordes ascendentes e colossais, como acompanhamento da melodia da orquestra, que é interrompida em seu desdobramento pelo solista em toda sua pujança. É justamente esta postura da música, que avançaa nervosa e intranqüila, procurando incessantemente um ponto de repouso – embora não consiga encontrar -, que deve ser a fonte da intensa motivação do concerto. A simplicidade do segundo movimento, com uma lânguida melodia e uma seção intermediária de andamento mais rápido, é contrastada com o impetuoso vigor do terceiro movimento, guiado por uma dança cossaca, que leva o concerto para um vigoroso final.

Program Notes © 2007 by Eduardo Knob

19 de Junho de 2007

Solista: André Carrara (piano)
Regente: Manfredo Schmiedt

M.Glinka - Russlan e Ludmilla - Abertura

O surgimento da música nacional russa no século XIX está ligado, de maneira indissolúvel, ao nome Mikhail Glinka (1804 – 1857). Suas duas óperas (em especial a primeira), além de sua produção orquestral, marcam o fim de um longo “domínio estrangeiro musical” no desenvolvimento cultural do país. Até Glinka, os compositores russos absorviam e reproduziam a ópera italiana e o clássico vienense. Glinka procurou ativamente captar as manifestações musicais russas e ucranianas, até então inexploradas em termos composicionais. Desse modo, ele tornou-se o “pai” da música de concerto russa. Russlan e Ludmilla, sua segunda ópera, foi produzida em 1842 e iniciou uma tradição operística russa que iria ser mais bem desenvolvida na próxima geração, o uso de contos de fadas como base para libretos operísticos.

O libreto de Russlan e Ludmilla é baseado no conto de fadas, em forma de poema, de Alexander Pushkin, que conta a história de Ludmilla, filha do Príncipe Vladimir de Kiev (primeiro monarca russo a ser batizado pela Igreja, no ano 988 d.C). Ela é raptada pelo perverso anão e mago Chernomor, no dia de seu casamento com o bravo cavaleiro Russlan. Seu pai, desesperado, anula o casamento e promete a mão de sua filha a quem puder encontrá-la. Russlan e seus três rivais, o invejoso cavaleiro Rogday, o príncipe cazar Ratmir e o cavaleiro escandinavo Farlaf, saem em busca de Ludmilla.

A abertura é uma música breve e cheia de energia que se baseia em três temas: o de Russlan, enérgico e guerreiro; o de seu amor por Ludmilla, mais terno e apaixonado, tocado pelos fagotes, violas e cellos; e o tema do malvado anão Chernomor, que ao final é rapidamente banido, e assim a abertura termina num alucinante galope, em uma adequada conclusão a essa fantástica história.

Program Notes © 2007 by Eduardo Knob

19 de Junho de 2007

Regente: Manfredo Schmidt

terça-feira, 12 de junho de 2007

S.Prokofiev - Sinfonia "Clássica" nº1, op.25

Sergei Prokofiev, nascido em 1891, começou a compor logo aos cinco anos de idade. Mais tarde, no conservatório de São Petersburgo, estudou com os grandes compositores russos da época, como Rimsky-Korsakov. Apesar dos alunos naquele conservatório não terem que estudar os compositores vienenses clássicos, o professor de regência de Prokofiev aconselhava o estudo desse repertório. Desse modo, o jovem compositor sentiu-se impelido a compor sua primeira sinfonia em um estilo composicional próximo ao de Haydn (não só em termos musicais, mas também o espírito inovador com que ele trata suas composições) fazendo-a assim ao estilo clássico, corroborando o seu subtítulo. Além disso, ele usou esta obra como um exercício de composição fora do piano, já que como pianista, ele desenvolvera o hábito de compor ao teclado.

Prokofiev começou a trabalhar na Sinfonia Clássica em 1916, terminando poucas semanas antes da Revolução de Outubro, em 1917. Esta se tornou uma de suas mais populares e acessíveis obras desde 1918, em sua estréia, onde foi classificada até como “superabundância de barulho” e “orgia de sons dissonantes”. Enquanto Prokofiev segue a procedimentos clássicos de construção musical, ele usa exaustivamente uma sonoridade com conteúdo dissonante bem presente, com um tratamento diferente de recursos instrumentais, apesar de estar na formação de orquestra clássica. No vivo Allegro, em forma sonata, os seus dois temas são razoavelmente clássicos, mas a maneira em que são trabalhados, com nuances de dinâmica e a variada orquestração, aponta para o futuro. No Larghetto, a graciosa e elegante melodia de abertura soa quase nostálgica, ao passo que o registro extremamente agudo das cordas cria a sonoridade característica de Prokofiev. A Gavotte é temperada com harmonias arrebatadoras, enquanto o Finale, marcado Molto Vivace, possui um ímpeto bastante enérgico.

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12 de Junho de 2007

Regente: Carlos Fernando Prazeres

Ernani Aguiar - Instantes II (Prados)

Ernani Aguiar (1950 -) tem obtido um expressivo reconhecimento como compositor, tanto no Brasil como no exterior. Suas obras têm ganhado sucessivas apresentações, gravações, edições e divulgação nos meios de comunicação. Destacam-se na sua produção obras para coro a capella como o “Salmo 150”, obras para diversas formações instrumentais como a série de Meloritmias para instrumentos só, além da Ópera "O Menino Maluquinho” com libreto de Ziraldo. Sua obra intitulada "Quatro Momentos nº 3" já mereceu oito diferentes registros fonográficos. Atualmente é professor de composição e regência da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É membro da Academia Brasileira de Música, ocupando a cadeira no. 4. Destacam-se também obras para orquestra de cordas como as séries "Quatro Momentos" e "Instantes". “Instantes II” baseia-se um evento que há 150 anos acontece na cidade de Prados/MG.

Trata-se do “Boi Mofado”, um evento tradicional nesta cidade em que suas ruas tornam-se passarela para o Boi Charmoso e o Boi Topa-Tudo, representando bairros da cidade. O boi, de armação de taquara, coberto com panos coloridos, sai dançando pelas ruas da cidade, guiado por um toureiro e acompanhado por uma mulinha, também feita de taquara, que é o abre-alas da festa. Animando o desfile, segue um cortejo de músicos com violões, reco-recos, chocalhos e guisas, enquanto o boi dança e investe contra as pessoas na rua. O nome Boi Mofado se deve ao fato deste ficar guardado o ano inteiro, saindo somente nesta época.

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12 de Junho de 2007

Regente: Carlos Fernando Prazeres

Béla Bartók - Danças Romenas

Béla Bartók (1881 – 1945) nasceu na Transilvânia, território hoje pertencente à Romênia. Ele foi, sem dúvida, um dos compositores contemporâneos mais originais do século XX, pois após um breve período, no qual compôs no estilo romântico tardio, empreendeu viagens de pesquisa e coleta musical feita em partes remotas da Europa oriental e até mesmo da África durante vários anos. Conforme ele próprio admite num depoimento autobiográfico, o material coletado foi de decisiva influência sobre sua obra porque o libertou do “reinado tirânico” de tons maiores e menores. De fato, grande parte destas melodias folclóricas era baseada em modos e escalas antigos cultivados por grupos isolados. O inusitado do material convinha ao estilo musical bem direto de Bartók. Em 1909, começou a busca de material musical entre os romenos, o que resultou na produção de um pequeno grupo de peças para piano, em 1915, baseado nas melodias que ele havia ouvido. Bartók compôs as Danças Romenas a partir de melodias que encontrara na Transilvânia, e segundo afirmou, quase nada mudou ou acrescentou às mesmas.

Segundo o biógrafo de Bartók, Halsey Stevens, as danças variam grandemente em caráter e em andamento, indo da gentil Buciomeana (Dança com Gaita de Foles), única em tempo ternário – assemelhando-se em certo grau a um minueto -, indo até a viva Poarg Româneasc (Polka Romena), além da enérgica Dança Rápida que fecha a série de danças. Destaca-se a serenidade da terceira dança Pe Loc (Dança sapateada), e sua evocação de música cigana.

Bartók escreveu essas danças originalmente para piano, porém, em 1917 ele mesmo as arranjou para orquestra. A popularidade delas se torna evidente pelo vultoso número de outros arranjos, como para orquestra de cordas, e para violino e piano.

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12 de Junho de 2007

Regente: Carlos Fernando Prazeres

segunda-feira, 4 de junho de 2007

J.Sibelius - Sinfonia nº2

Transcorridos 50 anos de falecimento, Jean Sibelius (1865 – 1957) ainda é lembrado como o principal compositor finlandês, compondo um dos mais belos concertos de violino já escritos para este instrumento, além de compor o que acabou sendo a melodia do Hino da Finlândia. É digno de nota que a natureza, assim como a mitologia, sempre estão presentes na sua música. Imbuído de uma série de características estilísticas próprias, como repetitivos trêmulos nas cordas (fazendo um efeito pulsante), longas notas que se sustentam, seu estilo harmônico caracteriza uma linguagem bastante diferenciada. Outra marca da música do compositor finlandês é sua habilidade de apresentar dois andamentos contrastantes ao mesmo tempo, o primeiro rápido e movido, o outro lento, marcado, reforçando a ação musical como um dobrar de sinos. Apesar de suas obras posteriores serem mais compactas, algumas destas características peculiares de Sibelius, como compositor orquestral, aparecem pela primeira vez na sua Sinfonia nº2. Escrita em 1901, durante uma viagem pela Itália e pela Europa Central com sua família, sua segunda sinfonia situa-se num contexto de puro sucesso na vida do compositor, que estreara havia pouco uma de suas obras mais conhecidas: Finlandia. Na sua estréia, a nova sinfonia foi um sucesso de público e o concerto foi repetido quatro vezes.

O primeiro movimento, o mais avançado estilisticamente, é ao mesmo tempo sutil e complexo na sua construção. As variadas melodias, apesar de serem muitas, são relacionadas umas às outras e, o mais interessante, parecem nascer umas das outras. Tanto é assim que a mesma configuração rítmica pulsante nos violinos, presente no início, termina o movimento, mas de uma forma quase que abrupta. O movimento lento, de caráter semelhante a uma rapsódia, começa com uma linha contínua em pizzicato pelos contrabaixos, de onde vem uma tristonha melodia dos fagotes. Em determinado momento neste movimento, o andamento acelera em direção a uma passagem apoteótica dos metais. O 3º movimento, um scherzo vivacíssimo, é mais conciso. Segue-se um Trio (Lento), marcado por uma singular melodia executada pelo oboé. O scherzo é repetido assim como o Trio, só que desta vez conduz de forma arrebatadora para o finale, o último movimento, que é marcado por longas tentativas modulatórias e por uma incrível tensão que conduz a um enérgico final caracterizado pela explosão sonora dos metais.

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5 de junho de 2007

Regente: Carlos Eduardo Moreno

J.Rodrigo - Concierto de Aranjuez

Nascido em Sagunto, Valencia, Joaquín Rodrigo (1901 – 1999) tornou-se deficiente visual em conseqüência de grave enfermidade aos 3 anos de idade. Isso, segundo ele, o levou para a vida musical ainda mais precocemente. Ele é considerado um dos maiores responsáveis pela divulgação do violão clássico como instrumento solista, apesar de ter sido um pianista virtuose no seu tempo. O Concierto de Aranjuez tornou-se a obra mais reverenciada, para violão e orquestra, composta no século XX. O contexto que cerca sua composição se situa exatamente no período da Guerra Civil Espanhola, que dizimou milhares de pessoas naquele país. Naquela época, Rodrigo e sua mulher, Victoria, tinham fixado residência em Paris – passaram muitas dificuldades, mas a obra foi escrita. Entretanto, em 1939 já puderam voltar para Espanha e, em 1840, foi estreado, em Barcelona, este concerto que foi escrito em homenagem aos vastos jardins de Aranjuez, que fazem parte de um palácio de verão, pertencente aos Reis Bourbon da Espanha. Rodrigo descreveu seu concerto como a captação “da fragrância das magnólias, o cantar dos pássaros e o jorrar dos chafarizes (...)”, as belezas que um homem cego, porém intelectualmente dotado, poderiam apreciar.

O movimento que abre a música, Allegro con spirito, é baseada em danças típicas como o fandango. Tem como característica marcante a alternância rítmica, e ainda mais, o contraste do tema pelo violão e os violinos. A abertura demonstra a habilidade de Rodrigo de equilibrar o som menos potente do violão contra uma orquestra, que nunca se sobrepõe sonoramente ao solista. Este usa técnicas do flamenco, assim como punteados e rasgueados. O auge do movimento se dá com um movido fandango, e então o violão fecha o movimento num suave final. O segundo movimento, o mais conhecido, é marcado pelo diálogo entre o violão e o corne-inglês, com o tema baseado na saeta, uma oração andaluza cantada durante a semana santa, apesar de se referir também à morte do primogênito do compositor. Apesar de uma extensa cadenza e um apaixonado clímax, o movimento acaba de forma reflexiva. O finale é uma engenhosa combinação de sonoridade barroca com melodias folclóricas de caráter dançante, e após uma grande apresentação final, o concerto acaba delicadamente.

Program Notes © 2007 by Eduardo Knob

5 de junho de 2007

Solista: Daniel Wolff

Regente: Carlos Eduardo Moreno